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quarta-feira, 10 de abril de 2013

A privacidade é o subterfúgio da vergonha na qual o segredo sustenta.



Permeando a sociedade em que vivemos hoje, há um assunto extremamente polêmico que é sustentado pelo meio político, pela mídia e pela cultura: a questão da privacidade. O que seria de fato a privacidade de um sujeito e em preciso momento ela emerge? Diante da pergunta, o que nos resta fazer é uma reflexão a respeito do tema sugerido. A privacidade do homem surge dentro de um contexto socioeconômico e cultural que a muito vem perpassando a nossa sociedade e é amplamente acentuada no mundo capitalista. O indivíduo que se diferenciou de outros e que agora tomou posse de sua própria singularidade, agora precisa se resguardar do outro e isso só é possível com a privacidade. A sociedade medieval se organizava por meio do social, as questões familiares eram também questões sociais. Porém, com o surgimento de uma nova classe social e uma nova estrutura burguesa, os valores sociais se modificaram e a questão da privacidade é agora o ponto crucial da sustentação da base familiar da época. Os tabus vão sendo inseridos agora como formas típicas de padrões de comportamentos que o sujeito precisa manter para ser aceito plenamente numa sociedade dita moral. A questão aqui não é mais apenas o desenvolvimento pessoal do homem; agora é mais um subterfúgio criado pela própria sociedade para preservar os valores culturais e impor ao homem modos típicos de comportamento. O homem, em seu desenvolvimento, possui estruturas psíquicas que lhe são inerentes, e que se organizam de maneira dialógica e autêntica. A energia psíquica precisa fluir de alguma maneira, porém sabemos que o homem está inserido em um meio cultural e histórico, em que é impossível dissociá-lo da construção psíquica do homem.


A família é a primeira relação a que o sujeito moderno tem contato com o mundo, e antes disso, ela já existe como história e como herança psíquica. O sujeito, uma vez introduzido no meio familiar, faz parte agora de um sistema relacional que possui uma determinada estrutura e dinâmica e que se organiza a partir das relações e dos valores que lhe são herdados por essa história familiar. Esses valores são permeados de um caráter sociocultural e uma vez dados como cruciais entre os membros da família é difícil estabelecer novas fronteiras e mudanças que impulsionem-na a se organizar de uma maneira diferente, de enxergar e vivenciar o mundo e as relações de uma forma mais dialética e compensatória. A partir dessa nova leitura, a família desta maneira é compreendida como um sistema relacional complexo e que está constantemente trocando energia com outros sistemas e subsistemas existentes no mundo.


A privacidade a partir da leitura de Marilyn Mason em seu texto “Vergonha: reservatório para os segredos na família”, é o direito que o sujeito tem de se resguardar e de se manter “só” com seus pensamentos e vivências. É um direito inviolável, no qual o sujeito se apoia para resguardar alguma situação que diz respeito a algo que é d(ele). Mas o que realmente separa a privacidade do segredo?


O segredo é algo que pode ser mantido pela família, por um indivíduo ou até mesmo por alguns membros familiares. O segredo pode ter também um caráter de pacto, no qual o outro é cúmplice e assume uma responsabilidade diante dele. O pacto assume um valor especial para as pessoas que o carregam. Porém, alguns segredos podem também aprisionar, fazendo as pessoas se sentirem impotentes diante deles pelo fato de não poderem compartilhá-los e excluir outros; isso causa um conflito psíquico intenso. O segredo é a proteção de algo que mantém invisível ou inexistente o seu conteúdo para outros. O segredo mais constantemente envolve tabus impostos pela cultura e pela sociedade justamente por causar vergonha e conflito entre as pessoas do grupo.


A vergonha pode fazer parte de um amplo sistema relacional (dinheiro, família, religião, sexualidade). Falar de vergonha é falar de cultura e de tabu. A privacidade da família a protege de vários tabus, principalmente em relação à questão da violência familiar e do abuso sexual. A vergonha emerge dentro de um contexto cultural e social que aponta para a moral. A sociedade impõe a forma e os valores que devemos seguir para sermos aceitos nos padrões sociais; somos reconhecidos pelo que temos e pela “imagem” que assumimos, e não pela nossa própria natureza humana. As personas são extremamente necessárias para que o sujeito possa se adaptar à realidade social e fazem parte também da estrutura da psique. A persona não deve ser pensada em termos meramente patológicos; neste caso, a patologia da persona se da pelo fato do indivíduo se identificar de forma demasiadamente íntima com sua persona. Porém, há uma tendência do indivíduo de assumir a persona como sendo sua totalidade e realidade, pois se quebramos as “regras” impostas pela cultura, emerge a vergonha e com ela um conflito psíquico que a muito o ego pretende ocultar. A vergonha é a mola propulsora pela busca da perfeição e aceitação social.



Na família, muitas vezes o mais importante não é o segredo em si, mas sim o que ele sustenta para essa família e qual o valor que ele tem. Se a estrutura familiar se sustenta a partir do segredo a fim de obter uma homeostase, o seu fim é evitar a culpa e a vergonha. Porém, a família também é um sistema autoregulador, que se adapta constantemente a partir de um contexto sociocultural. A família é um sistema aberto, e como tal, está em constante troca com as outras energias que emanam de outros sistemas universais. O segredo sustentado pela família pode ocasionar sintomas entre os membros nos quais suas causas são camufladas pelo inconsciente, por conta da energia que foi dissipada e que não contribui para manter a dialética e compensar os conteúdos que causam conflitos. Essa tendência da família de manter o segredo se dá pela energia que já está constante naquele sistema, no qual as tensões não são intensificadas por outros conteúdos. Quando isso acontece, podemos supor que há uma tendência da família de manter um fechamento do sistema familiar. Os segredos familiares estão relacionados com eventos dolorosos da vida, e a vergonha produzida entre o conflito social e vivencial pode ser conscientemente conhecida e assimilada ou depositada no inconsciente em histórias que se tornam mitos familiares. A fidelidade familiar é uma força emanada do inconsciente, que se liga ao processo da vergonha herdada e que pode possuir duas estruturas diferentes: 1) carinho natural que sentimos pelos membros familiares; e 2) “lealdade invisível” que é inconsciente e imposta e não compreendida. Essa lealdade é herdada pela transmissão psíquica existente na família. Porém, esses conteúdos depositados na sombra da família precisam ser elaborados de alguma forma, e eles reaparecem em formas diferentes, são os fantasmas do passado.


Posto isso, é extremamente importante que toda essa energia psíquica emanada por todos os indivíduos do grupo familiar flua de maneira a obter um equilíbrio saudável e compensador para todos da família. A comunicação entre os membros é de extrema importância, e o conflito é essência, uma vez que é a partir dele que a energia se renova e flui de maneira a obter um equilíbrio dinâmico entre os conteúdos, e dessa forma o grupo familiar consegue se reorganizar de maneira saudável e compensatória. É importante que as fronteiras e as regras familiares sejam bastante definidas e visualizadas por todos os membros do grupo familiar e que o respeito pela natureza de cada um seja exposto de maneira consciente. O segredo revelado causa um desequilíbrio na família; porém, a família é um sistema vivo que se autoorganiza e ,em algum momento, essas novas exigências familiares vão conseguir apreender essa nova realidade e se organizarem a fim de obterem uma nova estrutura e dar continuidade ao crescimento psicossocial de cada membro familiar.



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