Ana
Priscilla Martins Rocha
Estudante de Psicologia – UNIFOR
Estudante de Psicologia – UNIFOR
Em Seattle, cidade dos
acontecimentos e das grandes estrelas, na época da grande depressão nos EUA,
Frances Farmer, uma jovem de muito talento se destaca ao participar de um
concurso literário que mudaria sua vida de forma significativa. Com o passar do
tempo, ela segue carreira como atriz de
teatro, mas sofrendo forte conflito de resistência de sua mãe e recebendo acusações
diante da hipocrisia americana, sendo rotulada como comunista. Ao retornar de
uma viagem à Russia, Frances começa a trabalhar na indústria do cinema, pela
qual sempre foi levada pelos barrancos inconscientes de sua vida expondo as
maiores expressões de sua alma, onde reflete não apenas sua admirável beleza,
mas acima de tudo seu talento nato; porém, por conta de sua personalidade forte,
sofre diversos desentendimentos com os executivos de Hollywood e sua vida vai se
tornando um inferno, de internações à solidão, drogas, agressões e uma
infelicidade estampada na alma; contudo, percebe-se que a principal causadora
de sua desgraça é a própria mãe. Esta tem um papel importante no contexto de
sua história, neurótica, depositando seu próprio narcisismo no sucesso de
Frances, pois é tarefa de todo neurótico ficar preso aos seus sofrimentos
passados, remoendo suas próprias recordações, cheia de autopaixão.
Frances reflete não
apenas uma personalidade forte, que se impõe diante das exigências do mundo,
mas há algo que emana das profundezas de sua alma que precisa seguir um destino
próprio, e que para isso precisa ser o que é. Mas como realizar as exigências
de sua alma, sem sofrer pressão do mundo concreto e material no qual existem
tantos conceitos rígidos estabelecidos? Frances seria realmente louca ou apenas
não compreendida e não vislumbrada? Considerada uma espécie de “Lúcifer”
cinematográfico, mas como não ser considerada? A humanidade sempre precisou
criar seus próprios demônios como projeções de suas próprias almas para
estampar aquilo que é dito fora das normas e das regras. Como Frances poderia
ser normal diante de um mundo que também não é, e principalmente depois de
tantas “surpresas” que Hollywood lhe trouxe? Ao recusar-se a jogar conforme as
regras de Hollywood, sendo posteriormente internada num hospício e estuprada
enquanto se encontrava em tratamento, ela é rotulada de louca. A indústria do
entretenimento cria ídolos para depois destruí-los quando bem entender.
De acordo com
Dalgalrrondo, o conceito de normalidade é algo de extrema controvérsia, uma vez
que existem casos extremos onde logo podemos notar o que é normal e o que é
patológico. Contudo, na maior parte dos casos o assunto é permeado por uma
linha tênue entre normalidade/anormalidade que acaba sendo difícil estabelecer
um conceito rígido, uma vez que na época em que vivemos a normalidade é um ideal
a ser alcançado, ou seja, a normalidade é uma “utopia”. A sociedade constrói a
ética moralmente correta e esta é considerada normal. Frances ao apresentar
comportamentos fortes e rígidos diante das suas exigências, que vão de
confronto com os valores estabelecidos por aquela sociedade utópica e enclausurada,
reforça uma imagem apreendida pela indústria hollywoodiana como gravemente
antissocial e doentia. Frances seguia o seu próprio destino e quanto a isso não
há escolhas, pois a experiência e suas múltiplas imagens necessárias estão ai
cobrando o seu engajamento e esperando respostas. Ela herdou um presente e uma
maldição, nas quais sua única escolha é lidar com esses fenômenos de forma
consciente e é exatamente esse impulso criativo que faz de Frances essa
personalidade forte. Ela verdadeiramente olha-se no espelho da água e vê em
primeiro lugar a sua própria imagem, correndo o risco do encontro consigo
mesma. Mas como não padecer sua alma e sua psique diante de todas as tragédias
que foram de encontro com sua imagem deturpada? Não se deveria procurar saber
como liquidar o padecimento da alma, mas informar-se sobre o que ele significa,
o que ele ensina e qual sua finalidade e sentido. É o encontro com a neurose
onde temos a oportunidade de conhecer quem somos, pois não somos curados de uma
neurose e sim é ela quem nos cura. O padecimento de Frances era uma tentativa
da natureza psíquica de cura, e talvez, se sua mãe e aquela sociedade
aprendesse que a doença contribui para a nossa saúde e que aquilo que parece
neurótico e antissocial contém precisamente o verdadeiro ouro que não
encontramos em outra parte senão sintomatizado no próprio corpo, as vissitudes
de sua vida teriam tomado um rumo diferente.
A verdadeira loucura do
homem reside dentro de si mesmo, é o próprio conflito existencial proporcionado
pela cultura e pela sociedade. São os limites que a sociedade impõe ao homem
que vai de encontro às suas próprias tendências. A loucura emerge para falar
sobre nós, ela é a verdadeira via do que há dentro de cada um. Ela é desconexa,
pois a atitude consciente não permite a sua organização e nem o vislumbramento
do seu sentido verdadeiro. O que a cultura corrompe é a nossa verdadeira
sanidade. Será que existe de fato alguém são nesse mundo? Frances é um retrato
fiel de que a loucura e a genialidade são linhas tênues, sua armadura e sua
determinação a impulsionaram a seguir seu Daimon. Em minha opinião, o
patológico não está no ser diferente e sim no esforço incansável de ser normal.
A psicopatologia
dissocia a cura e a ferida, os manuais psiquiátricos apenas enfocam nos
sintomas e não na etiologia, o louco é mal interpretado e raramente é ouvido. É
como se o louco não tivesse nada a dizer, como se ele não fizesse parte do
mundo real. O louco não é uma máquina em desordem, ele sofre dos mesmos
problemas humanos que nós. Frances precisava dizer algo, era uma necessidade
intrínseca à sua alma, mas ela não foi ouvida e com isso algo teria que ser
“criado” para que ela fosse vista; e o que não fazia sentido, acabou tornando-se
depois de sua morte um sentido existencial. A cura psicológica é interna à
própria ferida; deveria ser feita uma cisão entre doença e saúde em
psicopatologia, mas não é isso que observamos principalmente nos dias de hoje onde
o mercado farmacológico está em alta e o importante não é apreender o sentido
da doença e sim remover seus sintomas. Frances vivia numa época de depressão e
confusão, a sociedade e suas instituições é que são doentes aprisionadas em
seus rígidos mecanismos de defesa, na camisa de força da moralidade que cria as
próprias categorias nosográficas utilizando-as como forma de normalização. A psicopatologia possui um pecado mortal que
é o seu descaso com a beleza, afinal de contas uma vida tem algo de muito belo,
sua tarefa é investigar e explicar, e se um fenômeno estético aparece em algum
de seus casos será explicado por uma psicologia que antes de mais nada carece
de sensibilidade. O tratamento psicológico com seus coquetéis da “felicidade” e
suas formas modernas de cura, não dá espaço para a apreciação estética da história
de uma vida. Talvez se Frances fosse vista neste viés onde a beleza é em si
mesma uma cura para o mal-estar psicológico, sua vida teria tomado um rumo
totalmente diferente.
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