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quarta-feira, 10 de abril de 2013

A privacidade é o subterfúgio da vergonha na qual o segredo sustenta.



Permeando a sociedade em que vivemos hoje, há um assunto extremamente polêmico que é sustentado pelo meio político, pela mídia e pela cultura: a questão da privacidade. O que seria de fato a privacidade de um sujeito e em preciso momento ela emerge? Diante da pergunta, o que nos resta fazer é uma reflexão a respeito do tema sugerido. A privacidade do homem surge dentro de um contexto socioeconômico e cultural que a muito vem perpassando a nossa sociedade e é amplamente acentuada no mundo capitalista. O indivíduo que se diferenciou de outros e que agora tomou posse de sua própria singularidade, agora precisa se resguardar do outro e isso só é possível com a privacidade. A sociedade medieval se organizava por meio do social, as questões familiares eram também questões sociais. Porém, com o surgimento de uma nova classe social e uma nova estrutura burguesa, os valores sociais se modificaram e a questão da privacidade é agora o ponto crucial da sustentação da base familiar da época. Os tabus vão sendo inseridos agora como formas típicas de padrões de comportamentos que o sujeito precisa manter para ser aceito plenamente numa sociedade dita moral. A questão aqui não é mais apenas o desenvolvimento pessoal do homem; agora é mais um subterfúgio criado pela própria sociedade para preservar os valores culturais e impor ao homem modos típicos de comportamento. O homem, em seu desenvolvimento, possui estruturas psíquicas que lhe são inerentes, e que se organizam de maneira dialógica e autêntica. A energia psíquica precisa fluir de alguma maneira, porém sabemos que o homem está inserido em um meio cultural e histórico, em que é impossível dissociá-lo da construção psíquica do homem.


A família é a primeira relação a que o sujeito moderno tem contato com o mundo, e antes disso, ela já existe como história e como herança psíquica. O sujeito, uma vez introduzido no meio familiar, faz parte agora de um sistema relacional que possui uma determinada estrutura e dinâmica e que se organiza a partir das relações e dos valores que lhe são herdados por essa história familiar. Esses valores são permeados de um caráter sociocultural e uma vez dados como cruciais entre os membros da família é difícil estabelecer novas fronteiras e mudanças que impulsionem-na a se organizar de uma maneira diferente, de enxergar e vivenciar o mundo e as relações de uma forma mais dialética e compensatória. A partir dessa nova leitura, a família desta maneira é compreendida como um sistema relacional complexo e que está constantemente trocando energia com outros sistemas e subsistemas existentes no mundo.


A privacidade a partir da leitura de Marilyn Mason em seu texto “Vergonha: reservatório para os segredos na família”, é o direito que o sujeito tem de se resguardar e de se manter “só” com seus pensamentos e vivências. É um direito inviolável, no qual o sujeito se apoia para resguardar alguma situação que diz respeito a algo que é d(ele). Mas o que realmente separa a privacidade do segredo?


O segredo é algo que pode ser mantido pela família, por um indivíduo ou até mesmo por alguns membros familiares. O segredo pode ter também um caráter de pacto, no qual o outro é cúmplice e assume uma responsabilidade diante dele. O pacto assume um valor especial para as pessoas que o carregam. Porém, alguns segredos podem também aprisionar, fazendo as pessoas se sentirem impotentes diante deles pelo fato de não poderem compartilhá-los e excluir outros; isso causa um conflito psíquico intenso. O segredo é a proteção de algo que mantém invisível ou inexistente o seu conteúdo para outros. O segredo mais constantemente envolve tabus impostos pela cultura e pela sociedade justamente por causar vergonha e conflito entre as pessoas do grupo.


A vergonha pode fazer parte de um amplo sistema relacional (dinheiro, família, religião, sexualidade). Falar de vergonha é falar de cultura e de tabu. A privacidade da família a protege de vários tabus, principalmente em relação à questão da violência familiar e do abuso sexual. A vergonha emerge dentro de um contexto cultural e social que aponta para a moral. A sociedade impõe a forma e os valores que devemos seguir para sermos aceitos nos padrões sociais; somos reconhecidos pelo que temos e pela “imagem” que assumimos, e não pela nossa própria natureza humana. As personas são extremamente necessárias para que o sujeito possa se adaptar à realidade social e fazem parte também da estrutura da psique. A persona não deve ser pensada em termos meramente patológicos; neste caso, a patologia da persona se da pelo fato do indivíduo se identificar de forma demasiadamente íntima com sua persona. Porém, há uma tendência do indivíduo de assumir a persona como sendo sua totalidade e realidade, pois se quebramos as “regras” impostas pela cultura, emerge a vergonha e com ela um conflito psíquico que a muito o ego pretende ocultar. A vergonha é a mola propulsora pela busca da perfeição e aceitação social.



Na família, muitas vezes o mais importante não é o segredo em si, mas sim o que ele sustenta para essa família e qual o valor que ele tem. Se a estrutura familiar se sustenta a partir do segredo a fim de obter uma homeostase, o seu fim é evitar a culpa e a vergonha. Porém, a família também é um sistema autoregulador, que se adapta constantemente a partir de um contexto sociocultural. A família é um sistema aberto, e como tal, está em constante troca com as outras energias que emanam de outros sistemas universais. O segredo sustentado pela família pode ocasionar sintomas entre os membros nos quais suas causas são camufladas pelo inconsciente, por conta da energia que foi dissipada e que não contribui para manter a dialética e compensar os conteúdos que causam conflitos. Essa tendência da família de manter o segredo se dá pela energia que já está constante naquele sistema, no qual as tensões não são intensificadas por outros conteúdos. Quando isso acontece, podemos supor que há uma tendência da família de manter um fechamento do sistema familiar. Os segredos familiares estão relacionados com eventos dolorosos da vida, e a vergonha produzida entre o conflito social e vivencial pode ser conscientemente conhecida e assimilada ou depositada no inconsciente em histórias que se tornam mitos familiares. A fidelidade familiar é uma força emanada do inconsciente, que se liga ao processo da vergonha herdada e que pode possuir duas estruturas diferentes: 1) carinho natural que sentimos pelos membros familiares; e 2) “lealdade invisível” que é inconsciente e imposta e não compreendida. Essa lealdade é herdada pela transmissão psíquica existente na família. Porém, esses conteúdos depositados na sombra da família precisam ser elaborados de alguma forma, e eles reaparecem em formas diferentes, são os fantasmas do passado.


Posto isso, é extremamente importante que toda essa energia psíquica emanada por todos os indivíduos do grupo familiar flua de maneira a obter um equilíbrio saudável e compensador para todos da família. A comunicação entre os membros é de extrema importância, e o conflito é essência, uma vez que é a partir dele que a energia se renova e flui de maneira a obter um equilíbrio dinâmico entre os conteúdos, e dessa forma o grupo familiar consegue se reorganizar de maneira saudável e compensatória. É importante que as fronteiras e as regras familiares sejam bastante definidas e visualizadas por todos os membros do grupo familiar e que o respeito pela natureza de cada um seja exposto de maneira consciente. O segredo revelado causa um desequilíbrio na família; porém, a família é um sistema vivo que se autoorganiza e ,em algum momento, essas novas exigências familiares vão conseguir apreender essa nova realidade e se organizarem a fim de obterem uma nova estrutura e dar continuidade ao crescimento psicossocial de cada membro familiar.



segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um pequeno e simples esboço dos três niveis psíquicos.



Falar das etapas da vida humana e de sua construção que visa um sujeito subjetivo e singular é uma tarefa difícil, pois envolve todo o caráter multidimensional e dinâmico de suas estruturas e de sua vida psíquica que provém do nascimento até a morte, etapa ultima na estância do desconhecido. A psicologia analítica visa à construção de um saber que priorize a totalidade do indivíduo a partir de suas experiências e da dinâmica ambivalente através da compensação dos opostos existentes na própria estrutura dinâmica da alma humana. A personalidade não é algo petrificada, mas está em contínua construção a partir de suas experiências e de sua responsabilidade consigo para construir uma identidade sólida e aceitar sua própria existência a partir de sua própria natureza. Jung em seu livro “A natureza da psique” visou tratar o indivíduo a partir de uma leitura fenomenológica de suas experiências com certos problemas acometidos durante o desenvolvimento do indivíduo, ou seja, a partir de coisas que são difíceis, questionáveis e ambíguas. Jung afirmava:



“Pelo contrário, trataremos apenas de certos problemas, isto é, de coisas que são difíceis, questionáveis ou ambíguas; numa palavra: de questões que nos permitem mais de uma resposta – e, além do mais, respostas que nunca são suficientemente seguras e inteiramente claras” (A natureza da psique, XVI – as etapas da vida humana, pág. Xx)







A partir dessa leitura, é possível perceber que abarcar todos os fenômenos a respeito da alma humana é uma tarefa quase impossível; embora os fenômenos psíquicos seja uma parte do mundo é difícil apreender todos os fenômenos que emanam da alma.  Os fenômenos que podemos experimentar diretamente são os conteúdos da consciência humana. A consciência humana é aquela que rege as percepções sensoriais dadas pelos órgãos dos sentidos na medida em que o individuo vai experienciando o mundo, porém ela não deduz o que os fenômenos sejam em si (essência), pois isto é uma tarefa do processo de apercepção, no qual é extremamente complexa e tem um caráter extremamente psíquico. Existem também certos conteúdos da experiência que transcendem a nossa percepção sensorial e que a existência psíquica desses conteúdos somente é acessível por via indireta, nos quais podemos observar claramente esses conteúdos através dos sonhos. Nos estados patológicos podemos também encontrar exemplos visíveis da existência de uma atividade psíquica que foge da consciência do individuo, e por conta disso estamos certos em falar que a alma também possui uma estrutura inconsciente. Jung a partir de suas observações, experiência e estudos pode aprofundar mais o seu conhecimento da alma humana e distinguiu três níveis psíquicos, a saber: 1) consciência; 2) inconsciente pessoal que são conteúdos que perderam suas intensidades e por isso caíram no esquecimento imediato, seja porque a consciência se retirou deles devido a um conflito dos conteúdos (repressão) e, depois, conteúdos que nunca estiveram na consciência devida a sua baixíssima intensidade e 3) o inconsciente coletivo, que como herança imemorial e atemporal com várias possibilidades de representação, porém não sendo de caráter individual, mas universal, esta contido os arquétipos e os instintos e a partir de sua estrutura constitui a verdadeira base do psiquismo individual.



O inconsciente coletivo como sendo atemporal e universal é extremamente difícil formular um conhecimento concreto a respeito de sua estrutura e dinâmica e o que podemos é apenas supor explicações. Porém, a mitologia é uma espécie de projeção do inconsciente coletivo, nos quais seus conteúdos experienciados foram constelados e projetados nas lendas e nos contos de fadas ou em personagens históricos e principalmente podemos percebê-lo nos elementos religiosos. Jung ao falar dos arquétipos em seu texto “A estrutura da alma” afirma:



“As condições psicológicas do meio ambiente naturalmente deixam traços místicos semelhantes atrás de si. Situações perigosas, sejam elas perigos para o corpo ou ameaças para a alma, provocam fantasias carregadas de afeto, e na medida em que tais situações se repetem de forma típica, dão origem a arquétipos, nome que eu dei aos temas místicos similares em geral”.





O inconsciente coletivo é um repositório de todas as experiências humanas desde os tempos mais imemoriais, porém, é um repositório vivo e criativo que impulsionam também o indivíduo a seguir seu próprio caminho mesmo que seja invisível a sua percepção. O inconsciente é também a fonte dos instintos, visto que os arquétipos são as formas através das quais os instintos se expressam na vida psíquica do individuo. É a partir da fonte dos instintos que a psique é criativa; e por isto mesmo, o inconsciente não é apenas histórico, mas gera também um impulso criador; impulso esse que será expresso pela consciência individual que é de extrema importância para a constituição do individuo, pois é a partir dela que o homem se torna consciente não apenas de sua vida exterior, mas também da vida interior. A consciência é responsável por todas as adaptações e orientações da vida do homem, e por isso o desenvolvimento do homem pode ser comparado com a sua orientação no espaço. O inconsciente pelo contrário, é a fonte de todas as energias instintivas da psique e contem as formas ou categorias que as regulam, que são os arquétipos.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Um pouco de utopia não faz mal.




“A educação só pode ser feita a partir da realidade nua, não de uma imagem real deturpada. “

(Carl Gustav Jung)


“Eu gostaria de ser lembrado como alguém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a terra, a água, a vida.”
(Paulo Freire)



Sem sombra de dúvidas que Paulo Freire foi um dos mais admirados pensadores que perpassam a nossa sociedade até hoje. Seu método educativo trouxe mais uma vez a esperança que a nossa sociedade brasileira a muito almejava. Sua visão de mundo é um reflexo de suas próprias vivências e reflexões sobre aquilo que o cercava. Muitos criticam seus métodos e dizem que Paulo Freire era bastante utópico. Mas um pouco de utopia não faz mal, precisamos disso para viver, pois é através da utopia que o sujeito se movimenta para a busca de uma humanização do mundo.  Paulo se apóia no instinto moral em que todos nos temos e é universal. A curiosidade, a vontade do ser humano de se permitir ampliar seus conhecimentos e assim se conhecer. É possível mudarmos o mundo? Paulo Freire acreditava que sim, e que poderia ser realizado através de uma educação plena e com respeito pelo próximo. A libertação está no conhecimento do homem, na busca de seu ser em totalidade, na solidariedade com o próximo, na construção de uma sociedade plenamente consciente. A educação é dialética, é algo que é construída por todos a todo o momento, ela é bilateral. Paulo Freire acreditava que a verdadeira humanização dos métodos educativos era a solução para os problemas que afligiam a sociedade brasileira. Educador e educando teriam que construir os conhecimentos de forma mútua e no sentido de que essas construções se aplicassem as suas vivências pessoais, tocasse a alma humana com todo fervor. O verdadeiro conhecimento é aquele que reside dentro do homem, o modifica, torna-o capaz de uma reflexão crítica e um posicionamento diante das barreiras da vida. No meu ponto de vista, a educação tem muito a contribuir com a Psicologia no sentido de que o psicólogo é um facilitador, ele compreende o sujeito na sua forma mais ampla e o ajuda a perceber seu verdadeiro eu e aceita-lo. A construção do conhecimento é algo que depende do outro também, pois a partir do outro, percebemos quem nós somos e nos constituímos como sujeito. O homem não nasceu para necessariamente modificar o mundo, mas se modificar e se conhecer, e a partir de suas vivências plenas e auto-conhecimento, o homem poderia contribuir de forma significativa para a construção de uma consciência moral coletiva ampla e solidária. Essas eram as maiores intenções de Paulo Freire e seus maiores ensinamentos. Os seus livros abordam questões de problematização, conscientização e solidariedade. O que percebemos nos dias de hoje enquanto a educação no Brasil é um déficit na estrutura e organização, na qual o sistema se apóia exclusivamente no dever educativo deixando passar os aspectos vivenciais do individuo e da sua constituição como sujeito a partir de suas relações sociais. Muitos educadores ainda estão presos à educação tradicional que sustenta uma posição de magistério em relação aos seus educandos deixando de construir uma relação dialética que contribui de forma significativa para a formação dos dois lados. Muitos educadores precisam ser educados também de forma que dêem um significado real para suas vivências e relações. 



 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Psicologia como biopoder?



Em meio aos muitos assuntos que permeiam o mundo científico nos dias de hoje e como pesquisadora/observadora empírica, atenta aos fenômenos produzidos pelo mundo e pela alma humana - e, é claro, as vezes deixando de perceber muitos detalhes porque faz parte do processo - , eu absolutamente não posso me calar diante da situação que presenciei esses dias por tratar-se de temas significativos. E, ainda, como minha pesquisa que está em andamento para transformar-se em um artigo é uma crítica interna ao fazer psicológico, é de minha responsabilidade expor aqui mais uma vez a minha opinião sobre o assunto.

 
Pergunto-me: o que realmente está acontecendo com o fazer/saber psicológico? Entrou realmente em pé de guerra? Minha modesta crítica parte de um referencial, baseado na matéria que saiu na Folha de São Paulo esses dias: “Manifesto defende psicanálise como opção para autismo”. A matéria fala do movimento que a Psicanálise está realizando devido à tentativa das políticas públicas de excluirem-na como opção para tratamento de crianças autistas e priorizarem o saber psiquiátrico e a TCC. Essa matéria gerou discussões entre alguns alunos do curso de Psicologia da Unifor, em um grupo fechado no Facebook, e me fez questionar e refletir sobre vários pontos referentes à Psicologia nos dias de hoje.

  James Hillman em seu mais novo livro O código do Ser , parte de um pressuposto que me chamou bastante atenção, quando afirma:


“De todos os pecados da psicologia, o mais mortal é seu descaso pela beleza. Afinal de contas, uma vida tem algo de muito belo. Mas quem lê os livros de psicologia não fica com essa impressão. Mais uma vez, a psicologia trai o que ela estuda. Nem a psicologia social, nem a experimental, nem a terapêutica dão espaço para a apreciação estética da história de uma vida. Sua tarefa é investigar e explicar, e se um fenômeno estético aparecer em algum de seus casos (e não apenas nos esteticamente dedicados, como Jackson Pollock, Colette ou Manolete), será explicado por uma psicologia que antes de mais nada carece de sensibilidade estética.”


O que me fez refletir bastante foi o ponto em que a Psicologia agora também é vista como “biopoder”. Daí, fiquei me perguntando: onde realmente está aqui a preocupação intrínseca com a alma humana? As pessoas ficam discutindo o que uma abordagem X pode fazer que seja melhor que a abordagem Y, mas esquecem o principal: olhar fenomenologicamente e humanamente para o problema em questão que é o autismo. O que nos falta meu caro, é o AMOR, A COMPAIXÃO, A RESPONSABILIDADE E O RESPEITO. É olhar para uma vida, considerando que esta é mais uma vida que está em movimento, em relação ininterrupta com o mundo e construindo experiências. Não me atrevo aqui a dizer que as questões biológicas, orgânicas, psicológicas, sociais, culturais, enfim não sejam importantes e não precisem ser levadas em consideração. O problema mais uma vez está no posicionamento ético e nas atitudes que cada profissional adota como prática. Onde está o desejo de ajudar os que sofrem? O último resquício do Romantismo a muito se perdeu nessa sociedade capitalista que visa o biopoder como instância última. A psicologia não pode existir sem beleza, sem vida, sem amor, sem vivência múltipla, pois sem a beleza - muito bem exposta por Hillman - torna-se vítima de suas próprias críticas cognitivas e a paixão que um dia teve, perder-se-á no afã da conquista de uma posição.A Psicologia, hoje, tem se preocupado com o progresso e,obviamente, deve acompanhar o que perpassa o agora; porém, nunca deverá esquecer-se do principal: a alma.

terça-feira, 2 de abril de 2013

“Liberdade, Igualdade e Fraternidade: a complexa equação dos ideais da sociedade industrial. Uma análise a partir de Simmel e do filme Daens – Um grito de Justiça.”

Bom dia pessoal! O post de hoje é um ensaio baseado no filme "Daens - Um grito de Justiça" e o texto de Simmel "Indivíduo, liberdade e igualdade" feito para a disciplina de Sociologia do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza. 



 “Liberdade, Igualdade e Fraternidade: a complexa equação dos ideais da sociedade industrial. Uma análise a partir de Simmel e do filme Daens – Um grito de Justiça.” ··.



Ana Priscilla Martins Rocha






“Liberté, Egalité e Fraternité”, famosa frase muito utilizada em meados da Revolução Francesa, que representa toda a ideologia da sociedade livre, igualitária e fraternal. A Revolução Industrial trouxe mudanças significativas nas estruturas socioculturais, políticas, econômicas e religiosas em toda a Europa, que se apoiavam na liberdade e igualdade do homem como subterfúgio de suas próprias ambições políticas e econômicas. Embora entendamos que a frase não se sustenta, o importante é a compreensão de todos os elementos e fenômenos que, dados seus significados, apontam para uma sociedade falha na formação e consolidação de sua estrutura e modo de ver o homem e o mundo. A relação da liberdade que se apoia na igualdade para se justificar é uma faca de dois gumes, visto que essa concepção permanece em uma relação de dicotomia. A igualdade não se sustenta, pois apesar de termos certas necessidades iguais (de comer, beber, dormir, de comunicação) possuímos vontades e motivações diferentes, apoiadas em instintos que são comuns a todos, porém que se utilizam e manifestam-se de formas diferentes, criando uma desigualdade. Para realizar essa reflexão de uma maneira mais sólida e significativa, utilizamos como método de investigação o filme Daens – Um grito de Justiça e a leitura do texto Indivíduo, liberdade e igualdade, de Simmel, para complementarmos a observação de todos os fenômenos expostos.

O filme se passa nos anos de 1890, norte da Bélgica, um dos cenários da Revolução Industrial Européia, na cidade de Aalst. O enredo é desenvolvido a partir da vida dos trabalhadores de uma fábrica de tecidos, onde homens, mulheres e crianças vivenciavam um estado de plena miséria por conta dos baixos salários que recebiam. A situação caótica da população é algo muito relevante no filme: há muita pobreza, muita submissão e pouca esperança. A vida daquela sociedade passa a ter uma nova direção com a chegada do padre Daens, que vem morar com o irmão jornalista, aproveitando o jornal da cidade filiado ao partido católico para expor seus ideais e ambições. Ao escrever artigos contra a política e o sistema de trabalho e exploração locais da época, Daens desperta na classe trabalhadora um espírito de luta e coragem pela conquista de seus direitos.

Com o Capitalismo, as relações de trabalho modificaram várias estruturas da sociedade da época, provocando um aumento significativo da população vinda para as cidades em busca de novas condições de sobrevivência para suas famílias. O filme retrata com fidelidade esse aumento populacional, mostrando a realidade daquelas famílias e a intensa desigualdade social onde, muitas vezes, as famílias não possuíam os mínimos recursos para sobreviverem. O Feudalismo era uma forma de trabalho mais comunitária, uma vez que as pessoas tinham que trabalhar em grupos para garantirem a produção econômica dos senhores feudais. Esses grupos tiveram um caráter de unidades niveladoras, fazendo camuflar os traços individuais de cada sujeito e reprimindo a sua singularidade. A nova forma de trabalho - a propriedade privada -, que se apoia na liberdade econômica, faz emergir uma nova forma do homem se impor no mundo. Agora apoiado num instinto de poder para garantir sua própria sobrevivência nessa nova forma de organização social, passa a desenvolver um desejo individual de aparecer, a fim de se diferenciar dos outros homens, desenvolver suas próprias potencialidades e se distinguir dos demais. Num primeiro momento, o homem era apenas dono de sua força de trabalho, porém para se inscrever nesta nova forma de atuar economicamente nas fábricas, o homem desenvolve um senso de individualidade com as potências que lhe são próprias, e vende essa nova forma de trabalho por condições desfavoráveis em troca de salários. No filme isso é retratado muito bem, quando visualizamos mulheres e crianças agora fazendo parte também do meio de produção industrial, pois a preocupação da classe burguesa era desenvolver suas empresas para garantir o aumento de seus lucros, e acreditava que as mulheres e as crianças eram mais suscetíveis a tais atividades, pois a ideia primordial era a de aproveitar ao máximo a força de trabalho de todos que a possuíam; e assim que esta força fosse desgastada, haveria um número enorme de pessoas aguardando este momento de opressão e exploração, uma vez que não existia alternativa senão submeter-se a tais condições para garantir sua sobrevivência e de sua família. Outra questão que poderíamos supor é que mulheres e crianças tinham menos forças para lutarem pelas opressões da classe burguesa do que os homens. É nesse contexto que emerge a individualidade, porém, na medida em que esse individualismo se manifesta como uma procura de distinção, o homem sente a necessidade de criar outro conceito para expressar essa singularidade sem obter pressões dentro de um sistema hierárquico. É quando aparece o conceito de liberdade. A própria classe burguesa para desenvolver suas empresas, ampliar seus mercados consumidores e utilizar-se de mão-de-obra barata, sustenta-se nesse conceito de liberdade econômica. Enquanto trabalhadores buscavam essa nova forma de atuarem para garantirem a própria sobrevivência, os donos das fábricas exploravam ao máximo esse momento sem se preocuparem com as condições dos mesmos. Uma cena marcante que mostra o desinteresse da classe burguesa pelas condições de trabalho dos trabalhadores é a conversa entre o Sr. Daens e o Sr. Woeste, quando este nega a verdade exposta das crianças que estão morrendo dentro das fábricas.

 A liberdade é um aspecto político criado pelo próprio homem, sendo inclusive o seu ideal. A livre concorrência sustenta que o homem é livre para fazer suas escolhas e é responsável pelas condições a que se submete; porém, se o homem é livre, todos teriam que ser tratados igualmente e com total liberdade e isso acaba criando um paradoxo, pois já que o homem é livre ele pode muito bem querer ser diferente, mas se é obrigado a ser igual, sua liberdade é revogada. A liberdade apresenta então seus conflitos, já que mesmo o homem tomando suas próprias decisões, existem outros fatores que interferem nessa liberdade (o ambiente, as próprias instituições, a Igreja etc). Outra questão paradoxal seria: ainda que o homem seja livre, essa liberdade impede que seus desejos entrem em choque com o desejo dos outros, pois como a minha liberdade de dirigir embriagado interfere na liberdade do outro de andar pela rua sem ter sua vida ameaçada? O texto do Simmel trás esse aspecto a partir do Idealismo de Kant (o instinto moral do homem), no qual eleva esse “eu” como referência última do mundo possível de ser conhecido, e defende sua absoluta autonomia como valor absoluto da esfera moral. No filme em questão, podemos perceber que para a classe trabalhadora a liberdade não passa de uma ilusão, pois continua presa a um sistema de submissão da Igreja e do Estado.

A igualdade como sendo natural do homem trás um aspecto dual, no sentido de que a livre concorrência e a nova forma econômica e política do Estado de se organizar produz classes sociais distintas: a do dominante e a do dominado. Com isso, surge a desigualdade. No filme isso é mostrado pela figura representativa do padre Daens e pelo papel da Igreja com sua doutrina social Rerum Novarum, que era extremamente importante para a sociedade da época. Daens, ao ascender seu lado revolucionário, sensibilizado pelas críticas e condições de vida dos trabalhadores, tenta modificar a consciência que imperava entre a classe trabalhadora, ou seja, a dominação dos burgueses. O padre Daens, ao se opor ao tratamento dado aos operários na fábrica, convoca o comitê de investigação para examiná-la, porém os proprietários trancam as crianças; e as mulheres por falarem uma língua diferente dos burgueses, não conseguem expor a real situação da fábrica. Se a liberdade e a igualdade fizessem parte da sociedade, os trabalhadores teriam os mesmos direitos e o mesmo aprendizado. Uma cena do filme que representa bem esse aspecto, é a que aparecem o filho do dono da Indústria tendo aulas com o padre Daens e o garoto filho de trabalhadores industriais jogando uma pedra na casa dos burgueses, demonstrando toda a sua fúria pela desigualdade. A Igreja utiliza essa desigualdade como subterfúgio para novamente mostrar toda a sua força e influência na sociedade, e com sua doutrina social Rerum Novarum, reforça o direito à propriedade e harmonia entre as classes sociais. Condena a solução socialista, que instiga nos pobres o ódio contra os que possuem bens, e que os bens de um indivíduo qualquer devem ser comuns a todos. Percebemos isso claramente no filme, pois a Igreja Católica e seus membros apoiam o Capitalismo e a classe burguesa. O padre Daens para garantir os direitos dos trabalhadores e representá-los, candidata-se a deputado pelo Partido Social Cristão instruindo a população a utilizar o poder do voto, que é o ponto crítico do filme exposto. A ampliação do sufrágio garantiu que todos perante a lei fossem de fato considerados iguais e livres. Porém, existe um conflito interno do padre Daens, em escolher entre seu chamado de padre e favorecer a conscientização política da classe trabalhadora. A Igreja poderia ter interferido positivamente perante as condições vividas pelos operários, contudo, o que se percebe no filme é a imobilidade dessa instituição, mantendo uma relação de ameaça com o padre Daens pedindo seu afastamento da igreja, representada pelo Bispo, pois a igreja como instituição tinha seus próprios interesses e não queria que o Socialismo tomasse de si o poder, então alia-se principalmente aos burgueses, deixando que o padre trave uma luta solidária sozinho, pois a sua única preocupação de fato era a de manter-se rica e fazer parte da alta sociedade. O Estado, por sua vez, apenas preocupava-se com as classes trabalhadoras em épocas de eleições, demonstrando apenas um interesse pessoal e político pelos burgueses, aliados também da Igreja. Para conseguirem votos, eles distribuíam comida, ofereciam assistência à população, a fim de continuarem no poder e usufruirem do trabalho que essa classe oferecia, ou seja, a mão-de-obra “livre”.

Com isto, pode-se perceber que a fraternidade é algo que não se sustenta na sociedade desde seus primórdios capitalistas, pois a partir do momento em que o indivíduo demonstra sua singularidade e sua liberdade, sente-se no direito de se sobrepor aos outros, o que o próprio movimento capitalista sustenta através da livre concorrência. A livre concorrência trás a divisão das classes sociais e a desigualdade dos homens. A Igreja como instituição e representação política de interesses, alia-se ao Estado para exercer sua influência entre o poder das classes e, ao mesmo tempo, oferece acolhimento àquelas pessoas que necessitam de algum subterfúgio. Utiliza a Bíblia como palavra de poder de um Deus “maior”, garantindo que o homem é livre pelos seus atos; em contrapartida, através de seus dogmas e doses de idealismo, impõe a esse homem livre a obediência às leis de Deus, pois sua alma a ele pertence, uma vez que é o criador maior de todo o universo. A igreja, desta forma, controla pacificamente as rebeliões do homem e seu ímpeto de expressar opiniões diferentes da consciência coletiva dominadora. O pedado original, nesse sentido, vem garantir a obediência do homem às regras impostas pela Igreja e reforçar a ideia de submissão do homem a Deus, por ser-lhe um devedor nato. 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Amor x Poder



Atualmente, o que está inteiramente em jogo é a busca da justificativa para os atos do mundo. Essa justificativa parte de uma condição puramente psicológica primitiva do homem de tentar explicar qualquer fenômeno que ele julgue não sendo da sua própria natureza ou feitio. O que está em falta na civilização universal hoje é o instinto moral puro, aquele que Kant já mencionava em suas teorias filosóficas. As sociedades em geral, com o seu discurso moral impecável e a própria Igreja como instituição e potência mundial com o pecado original vem impor as regras e o que é moralmente aceito para o homem. Mas daí eu te pergunto, qual a raiz da necessidade de reprimir tudo aquilo que não é norma? É a partir do homem civilizado que nasce a consciência na sua forma mais rígida e pontual. A necessidade de repressão de tudo aquilo que mata o ego é mais acentuada aqui. A meu ver, a necessidade dessa repressão se dá pelo fato de querer reprimir a verdade oculta da alma humana, a bilateralidade dos opostos.

O olhar humano em torno da realidade objetiva e subjetiva do mundo, dos fenômenos e do indivíduo a muito se perdeu nas condutas ditas morais; a política da Vossa “santidade” camuflou o que não deveria ser jamais esquecido no que diz respeito à alma humana: sua natureza oposta e compensatória.

  “A psique primitiva ainda não se conhecia a si mesma. Esta consciência só se formou no decorrer da evolução, que em parte prolongou-se até os tempos históricos. [...] Ela orgulha-se, e não pouco, dessa sua libertação do inconsciente. Em compensação, tornou-se presa aos conceitos verbais criados por ela mesma. [...] Podemos, com efeito, ser tão dependentes das palavras quanto do inconsciente – e de fato também o somos”. (OC, 11/3, p. 110, C.G.Jung)

O medo do homem civilizado hoje em dia é cometer uma heresia, e com isso, anula uma parte da sua alma em troca de um gozo em torturar aqueles que perante a sociedade são considerados fora dos padrões normais de conduta. Esquecemos que é a partir de todas as relações que construímos nossa própria história. A sombra coletiva está a muito cheia de conteúdos obscuros que a consciência coletiva não deixa de forma alguma emergir. Mas, simbolicamente, o que isso nos sugere? Acredito que é mais uma tentativa de refúgio de nós mesmos do que de adesão à lei moral. Jung postulou uma vez que o contrário do amor não é o ódio, mas sim, a vontade de poder. O poder, meus caros, foi o que moveu o mundo desde os tempos mais imemoriais até os dias de hoje. É o poder que faz com que esquecemos a nossa própria essência. Mas o poder não pode não existir, ele é necessário. E está aí o conflito!


O que realmente nos falta é o entendimento da nossa própria natureza, é a experiência luminosa, é o olhar fenomenológico do outro e consigo mesmo. O filme “ Os miseráveis”, baseado na obra de Victor Hugo é um retrato maravilhoso para expressar tudo o que foi exposto nesse texto. Jean Valjean e Javert são duas atitudes totalmente compensatórias no filme, o primeiro, imagem de amor e misericórdia e o segundo de poder.


Esse texto foi apenas uma reflexão baseada no texto de Felipe Pondé, publicado hoje na Folha de São Paulo.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1255337-o-gozo-da-pulsao-de-morte.shtml