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domingo, 31 de março de 2013

A dialética da Energia Psíquica


Por meio dos devaneios da vida, o homem sempre se organiza de alguma forma a fim de compensar o que está causando-lhe sofrimento. Com isso, assim como o organismo vivo com toda a estrutura e dinâmica que lhe é própria e complexa, a psique também se utiliza de mecanismos que lhe são próprios para promover a saúde da alma do homem.

É posto que um dos motivos mais significativos para o rompimento de Freud e Jung foi à concepção de uma nova natureza para representar a libido, uma vez exposta por Freud como eminentemente de caráter sexual. Jung, contudo, rompe com essa concepção com a publicação da obra Wandlungen und Symbole der Libido (Transformações e Símbolos da Libido), em 19/11/1912. Ao estudar a esquizofrenia mais de perto, Jung ampliou o conceito de libido para designar a energia psíquica em geral presente em toda natureza. Porém, em seu entendimento, a elasticidade do conceito não se delimitava apenas ao psiquismo humano, mas também à própria energia do universo, a alma mundi. É significativo expor aqui que Jung se pautava nas bases filosóficas neoplatonianas e no idealismo alemão, e seu novo conceito de energia abrange todos os fenômenos de natureza energética existentes no universo: mente, corpo, linguagem, sexualidade, religião, alimentação, trabalho, jogos, arte, o mito, o amor, ódio, e todas aquelas atividades humanas ligadas à cultura.

Jung acreditava que o homem era potencialmente capaz de um conhecimento a priori, e este era reafirmado através dos arquétipos que agem em um nível psicológico. Os processos psíquicos são representações da energia universal (alma mundi) que se acham gravadas no espírito humano desde tempos imemoriais através das representações coletivas as quais ele denominou arquétipos. Não me vem outra coisa senão a ideia de que os arquétipos como representações que agem na psique através do inconsciente coletivo são a bagagem (destino) de cada espírito humano aqui na terra. É através dos arquétipos que a alma humana desenvolve suas potencialidades e dá um sentido existencial às suas experiências. A libido ainda era passível de transformar-se e de se deslocar no tempo e no espaço, obedecendo ao princípio da física da entropia. No tempo, a libido tanto pode ter uma ação voltada para o regressivo, para o passado enquanto teleológica, direcionada para o futuro. No espaço, a libido pode voltar-se para o sujeito na introversão ou para o mundo, na extroversão, ou para ambos na extraversão.

“O principio da equivalência é uma proposição da teoria energética de grande valor prático. A outra proposição necessária e complementar é o princípio da entropia. As transformações da energia só são possíveis graças às diferenças de intensidade, presentes no interior de um sistema. Segundo o princípio de Carnot, o calor só pode transforma-se em trabalho, quando passa de um corpo mais quente para um mais frio. Mas o trabalho mecânico converte-se constantemente em calor, que não pode voltar a se converter em trabalho, em virtude de sua intensidade mais baixa. Deste modo, um sistema energético fechado tende pouco a reduzir suas diferenças de intensidade a uma temperatura constante, o que exclui qualquer modificação posterior. É o que se chama morte térmica.” (Jung, 1998)

O homem desta maneira é compreendido como um sistema que possui suas estruturas e dinâmica complexa e está constantemente trocando energia com outros sistemas existentes no universo, já que para se constituir como sujeito em totalidade ele depende dessas relações e é onde o psiquismo é representado. A psique como um sistema auto-regulador da libido necessita obter constantemente um equilíbrio dinâmico entre os opostos, uma vez que os conteúdos opostos são necessários para que se produza energia psíquica. Uma vez esses conteúdos em contato com os fenômenos que o mundo apresenta, surgem experiências que não podem de maneira alguma serem reproduzidas com a mesma intensidade e o mesmo valor energético. Porém, o homem jamais poderá ser um sistema fechado, pois para garantir sua própria sobrevivência no mundo ele necessita dessas trocas de energia com outros sistemas, o que constitui que a energia psíquica sempre estará sendo produzida e o psiquismo humano sempre estará em regulação dessas energias que são opostas e produzem tensões que impulsionam os sujeitos a agirem no mundo, que é o que o conceito de libido representa muito bem. Porém, existem tendências no homem conscientes de produzirem um estado constante de energia a fim de que essas tensões não sejam intensificadas ou de obter um nivelamento das energias, e quando isso acontece, podemos supor que há uma tendência psíquica de um fechamento do sistema; porém, ela não é totalmente possível uma vez que as experiências do mundo se apresentam de modo a desafiarem essas tendências.

“O principio da entropia só nos é conhecido como princípio na experiência a partir de processos parciais que constituem um sistema relativamente fechado. A psique pode ser considerada também como um destes sistemas relativamente fechados. As transformações de sua energia também nos levam a um processo de nivelamento entre as diferenças que, no dizer de Boltzmann, passam de um estado improvável a um estado provável. Isto, entretanto, reduz cada vez mais a possibilidade de uma modificação posterior. Observamos este processo, por exemplo, no desenvolvimento de uma atitude relativamente permanente e relativamente inalterável. Depois de oscilações inicialmente violentas, os opostos tendem a equilibrar-se e surge pouco a pouco uma nova atitude cuja estabilidade subsequentemente será tanto maior, quanto mais acentuadas tiverem sido as diferenças iniciais. E quanto mais forte for a tensão entre os opostos, tanto maior será a quantidade de energia daí resultante, e quanto maior for esta energia, tanto mais intensa será a força de atração consteladora. A uma atração mais forte corresponde uma amplidão maior de material constelado, e quanto mais extensa for essa amplidão, tanto mais reduzida se torna a possibilidade de distúrbios posteriores que não podem originar-se de diferenças relativas ao material não constelado precedentemente. Esta é a razão pela qual a atitude resultante de um nivelamento é particularmente duradoura.” (Jung, 1998)

Se formos a uma compreensão sistêmica de família, por exemplo, veremos claramente como esta se organiza a partir desses princípios. O importante estabelecido é que devemos buscar sempre uma compreensão de nós mesmos a partir da dialética dos opostos.



Livro de Carl Gustav Jung





3 comentários:

  1. Adorei o texto, sucinto e bem escrito dando espaço para você se colocar. Parabéns pelo blog adorei!

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    1. Muito grata Renato, espero que as discussões aqui sirvam de alguma forma para uma melhor compreensão da alma humana.

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