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segunda-feira, 20 de maio de 2013

CONFRONTO COM O INCONSCIENTE: REFLEXÕES E CONSIDERAÇÕES.



CONFRONTO COM O INCONSCIENTE: REFLEXÕES E CONSIDERAÇÕES.


Ana Priscilla Martins Rocha



“Ninguém está livre do sofrimento enquanto nada na torrente caótica da vida. Portanto, só posso repetir: não se preocupe comigo. Sigo o meu caminho e carrego meu fardo tão bem quanto possível. (...) Não existe nenhuma dificuldade em minha vida que não seja eu mesmo. Ninguém deverá carregar-me enquanto eu puder manter-me sobre meus próprios pés.”
                
(carta a Frances Wickes, de 06.11.1926) Carl Gustav Jung



    
Confronto com o inconsciente é um capítulo do livro “Memórias, sonhos e reflexões” do qual Carl Gustav Jung juntamente com a colaboração de Aniela Jaffé, relata sua trajetória de vida e o nascimento de teorias que mudaram completamente a Psicologia da época até os dias de hoje.  No intuito de fazer uma resenha do capítulo para o curso de Capacitação em psicologia analítica promovido pelo LABIRINTO, também foram obtidas reflexões acerca de relatos do próprio Jung e foi possível perceber as teorias desenvolvidas na sua própria experiência.
Após a ruptura com Freud, se inicia para Jung um período de incertezas interior e uma completa desorientação, no qual sabemos que Jung fica bastante interrompido igualmente como aconteceu com sua intensa amizade com Freud. Por conta disso, Jung passa a assumir uma nova atitude diante de seus pacientes, confiando então em tudo aquilo que emergia deles incondicionalmente. Para Jung foram importantes essas experiências das associações e dos relatos de sonhos e fantasias de seus pacientes, no qual ele deixa um pouco de lado a teoria vivendo empiricamente todos os fenômenos ocorridos com eles e os ajudando a se entenderem por si mesmos.  Percebeu então que os sonhos relatavam verdades obscuras do inconsciente, e que eles deveriam ser os pontos de partida para a investigação de tal modo como se apresentavam.  Jung chega a relatar no livro, seus próprios pensamentos e seu diálogo com o seu interior (ou supondo, com o seu número 2), afirmando: “Possuo agora a chave para a mitologia, e poderei abrir todas as portas da psique humana inconsciente”. (Jung, pág. 205) Mas algo o questionava sobre isso, algo o impulsionava a pensar mais, ir além. Em que mito vive o homem nos tempos de hoje? Será o mito católico? Será que todas as pessoas vivem nesse mito? Perguntas como essas emergiram de dentro de Jung e ele começou a se sentir menos a vontade com as respostas e parou de pensar sobre isso. O que me faz pensar que os mitos no decorrer dos tempos vão sendo superados e substituídos por outros “mitos”, pois o homem tem a necessidade de criar fantasias e ilusões para expressar o que tem de mais íntimo. Os mitos se tornam algo coletivo que permeiam toda uma sociedade. A própria cultura nos impulsiona a isso, a construção constante de “mitos”, não mais como antigamente, mas como, por exemplo, o surgimento de heróis e quadrinhos, contos infantis, dogmas.
Na véspera de Natal, Jung teve um sonho muito interessante, por minha parte. Ele estava sentado numa cadeira dourada de estilo Renascença, diante de uma mesa de muita beleza que parecia com esmeralda. Ele olhava a paisagem á distância no qual a loggia ficava situada no alto de um castelo antigo. Seus filhos também estavam com ele sentados à mesa. De repente um pássaro branco posou na mesa, perto deles, e Jung faz um sinal para seus filhos não se moverem para não assustarem o pássaro. No mesmo instante a pomba se transformou numa menina de cerca de oito anos, que saiu correndo com os filhos de Jung e brincavam pelo castelo. De repente a menina desaparece e em seu lugar surge novamente o pássaro branco que dizia com uma voz humana: “Só nas primeiras horas da noite posso transformar-me num ser humano, enquanto o pombo cuida dos 12 mortos”. (Jung, pág. 206) A única coisa que Jung conseguia formular a respeito do sonho foi que ele indicava uma atividade inabitual do inconsciente. Jung chega a ter outros sonhos posteriores a esse que também apareciam pessoas mortas que quando Jung olhava para elas, elas começavam a se animar novamente. Jung então começa a compartilhar da idéia de Freud de que o inconsciente encerra vestígios de experiências antigas, mas as compreensões desses sonhos para Jung, fizeram como que ele percebesse que não seriam apenas conteúdos mortos do inconsciente, mas que de algum modo pertenciam à psique viva. Esses sonhos de Jung me fizeram refletir muito a respeito disso tudo vivenciado por ele. Às vezes, pensamos que certos conteúdos de nossas vidas, estão resolvidos e que eles não alarmam mais nada no interior de nós, mas basta olharmos atentamente para eles novamente para que eles ganhem vida, pois esses conteúdos sofrem transformações constantes, e somente conseguimos entende-los quando eles são representados através das experiências.
Tentando entende-los, Jung começa a se sentir como se vivesse sobre um domínio de uma pressão interna, chegando a ser tão forte que ele supõe que alguma perturbação psíquica o afetava. Tentou se deter a lembranças de sua infância, pensando em encontrar em seu passado algo que propiciasse essas perturbações, mas foi infrutífero. E a partir daí Jung se deixa levar pelos impulsos do inconsciente. A primeira coisa que se produziu para ele foi uma lembrança de infância de seus 12 anos, época em que Jung se entregara completamente a brinquedos de construção. É interessante observar a emoção que Jung fala sobre esse episódio, e perceber que na infância nos entregamos há imagens e símbolos inconscientemente, fazendo surgir assim uma criatividade inigualável. Mas isso vai se perdendo com a maturação, pois precisamos de certo modo, sermos racionais, perdendo a essência de muitos fenômenos e não conseguindo mais compreende-los na sua instância maior. É a partir disso, que Jung se entrega novamente a sua infância remota.
Jung relata que esse momento foi um ponto crucial em seu destino. Só abandonou a essas brincadeiras quando começou a sentir repulsões e passou então a colecionar pedras e construir casas, castelo, uma cidade. Percebeu que faltava uma Igreja, e começou a edificá-la, mas com uma sensação de relutamento. É como se algo em seu interior o avisasse que algo faltava. Preocupado em resolver o conflito, foi passear como de costume e encontrou uma pedra vermelha que parecia com uma pirâmide de quatro lados que chamou bastante sua atenção. Encontrou então o altar para sua Igreja e isso fez com que Jung lembrasse de um sonho de infância lhe causando extrema satisfação. Todos os dias se dedicou a brincar com seus novos brinquedos de construção, tornando assim seus pensamentos mais claros e apreendendo suas fantasias das quais apenas tivera um vago pressentimento. Jung então passa a trilhar o caminho que posteriormente seria o seu mito. A construção representava apenas o início. Ela desencadeava toda uma seqüência de fantasmas que mais tarde anotei meticulosamente. (Jung, pág. 209)
Por volta do ano de 1913, a pressão que sentira pareceu se deslocar-se para o exterior. Jung chega a declarar que: “Não parecia tratar-se de uma situação psíquica, mas de uma realidade concreta”. Jung fez uma viagem sozinho e foi subitamente assaltado por uma visão: uma onda colossal cobria todos os países situados entre o Mar do Norte e os Alpes. Quando a onda atingiu a Suíça, ele viu montanhas se elevarem, como para proteger seu país. Ele via a morte de vários seres humanos e o mar se transformava em torrentes de sangue. Visões como essa se seguiram durante duas semanas mais com algumas alterações no final, e uma voz interior disse: “Olha bem, isto é real e será assim; portanto, não duvides.” Isso nos faz pensar ate que certo ponto essas visões de Jung podem ser consideradas parapsicológicas? Mas para Jung, essa idéia não era clara, mas sim uma idéia de psicose.
No dia 1º de agosto estourou a Segunda Guerra Mundial. Foi exatamente onde todas aquelas visões de seus sonhos com sangue se clarearam para Jung, ele precisava compreender ate que certo ponto sua própria experiência estava ligada com à coletividade. Aqui é uma parte bastante significativa para nós estudantes da Psicologia Analítica, pois percebemos a ligação forte e clara da relação do indivíduo singular com a coletividade. Aqui começa o esboço do que depois seria formulado por Jung de inconsciente coletivo. Ele nos atenta ao lê o capítulo que é preciso primeiramente além de tudo, refletir sobre nós mesmos. Ao tentar emergir dentro de si mesmo, Jung num mundo totalmente estranho onde tudo lhe parecia difícil e incompreensível. Mas havia nele uma força vital que desde o início tencionara encontrar o sentido de tudo que ele estava vivendo. Obedecer à vontade interior que se expressava intensamente. Parece que sentir e entender o que aquilo representa era uma saída de paz para Jung, encontrar as imagens que se ocultavam nas emoções. Jung acrescentava: “Ou talvez, se os estivesse reprimido, seria fatalmente vítima de uma neurose e os conteúdos do inconsciente destruir-me-iam do mesmo modo. Minha experiência ensinou-me o quanto é salutar, do ponto de vista terapêutico, tornar conscientes as imagens que residem por detrás das emoções.” (Jung, pág. 213) O confronto com o inconsciente fora para Jung não somente uma experiência científica efetuada sobre ele e no qual resultado ele estava interessado. Mas tratava-se também de uma experiência tentada com ele mesmo. Hoje em dia umas das maiores dificuldades da humanidade é tentar entender as pessoas, e principalmente se entender. O próprio capitalismo impõe que seja assim, a competitividade fala mais alto e deixamos passar símbolos e imagens que são altamente importantes para o bem coletivo. Acredito que o mais difícil de todo esse processo é aprender a sentir e a dar significado aos sentimentos negativos, que nos causam angustia, mas que fazem parte da nossa existência tanto como os sentimentos positivos.
Uma fantasia muito interessante de Jung que o capítulo nos conta foi uma visão de dois personagens bastante significativos para sua teoria: Elias, um homem idoso de barba branca e Salomé, uma bela jovem cega, que asseguravam estarem ligados por toda a eternidade. Uma serpente negra vivia com eles e manifestava uma intensa inclinação para ele. Salomé inspirava desconfiança e Elias se afigurava o mais razoável dos três. Jung tenta tornar compreensível a aparição dos personagens bíblicos em sua fantasia, uma vez que seu pai tinha sido pastor. Mas isso não esclareciam as coisas. Somente muito depois, quando ele ampliou seus conhecimentos a ligação do velho com a moça pareceu perfeitamente normal. A serpente chamava bastante atenção de Jung. Nos mitos, a serpente é muitas vezes a adversária do herói. Diz-se que o herói tem olhos de serpente, outras vezes, depois de sua morte, o herói é transformado em serpente e venerado sob essa forma. Mas na fantasia de Jung a serpente anunciava o mito do herói. Salome representava a figura da Anima. Cega, pois não vê o sentido real das coisas e também representava o elemento erótico. Elias é a representação da sabedoria e do conhecimento. Logo os dois personagens encarnavam o Logos e o Eros.
Outro personagem de suma importância para Jung precisa ser destacado, Filemon. Ele se caracterizava em uma atmosfera de tonalidade algo gnóstica. Sua imagem se representou primeiro num sonho para ele, no qual pintou para figura-la com maior exatidão. No sonho um velho com cifres e com asas semelhantes ás do martim-pescador surgia carregando um feixe de quatro chaves, e uma das chaves estava em suas mãos como se fosse abrir uma porta. Após alguns dias do sonho, um martim-pescador apareceu morto em seu jardim á beira do lago. Era muito raro pássaros como esse nos arredores de Zurique. Finalmente Filemon ganhou vida, o conhecimento de que existem coisas na alma que não são feitas pelo eu, mas que fazem por si mesmas, possuindo vida própria. Jung chega a afirmar que: “De vez em quando me fez compreender que havia uma instância em mim capaz de enunciar coisas que eu não sabia, não pensava, e mesmo coisas com as quais não concordava.” (Jung, pág. 219) Psicologicamente Filemon seria uma inteligência superior. Era para Jung um personagem real no qual ele ate passeava pelo jardim.
Jung redigindo as anotações que fizera de suas fantasias se pergunta o que ele estaria fazendo. Uma voz interior respondeu-lhe que era arte. Pensou: “Talvez meu inconsciente tenha elaborado uma personalidade que não é minha, e que deseja exprimir sua própria opinião.” Jung reconheceu imediatamente que a voz provinha de uma mulher, mas especificamente de uma paciente psicopata muito dotada que estabelecera com ele uma transferência forte. Ela se tornara um personagem vivo do seu mundo interior.  Jung se sentiu extremamente interessado por essa mulher que provinha de seu íntimo. Mais tarde isso veio a se tornar uma personificação arquetípica no inconsciente do homem, no qual ele designou de anima e no inconsciente da mulher o animus. É interessante como essas duas personificações, essas duas figuras arquetípicas estão presentes realmente na sociedade e como o modo delas de se representarem mudam. Como elas nos impulsionam a adotar atitudes inconscientes que nos fazem projetar no outro aquilo que pertence a nós mesmo. Impulsionando sempre numa busca de respostas no exterior. Há como elas são traiçoeiras. Jung deixa claro nesse capítulo a importância de se ter um diálogo constante com essas personificações, pois assim as personificações não podem tecer intrigas. O mais importante é sem dúvidas diferenciar o consciente dos conteúdos do inconsciente. É necessário para essa apreensão dos conteúdos do inconsciente, personifica-los estabelecendo assim a partir da consciência um contato mais ‘direto’ com esses personagens. Essas personificações parecem ter uma ambigüidade bastante traiçoeira, podendo aniquilar um homem de uma vez por todas. Ele ressalta que no final, o consciente toma a frente, pois é ele quem vai ‘compreender’ as manifestações do inconsciente e tomar posições frente a elas. Jung passou a aprender então a aceitar os conteúdos do inconsciente.
A partir de então Jung passa a transcrever suas mandalas para o Livro Vermelho. Era uma tentativa ineficaz, diga-se de passagem, de uma elaboração estética de suas fantasias. Achava necessário que fosse feita uma compreensão mais científica dessa realidade imaginária, sentindo a urgência de tirar conclusões concretas dos acontecimentos que o inconsciente transmitia, porém para Jung, a elaboração estética também foi importante, pois através dela ele conseguiu chegar na compreensão da responsabilidade ética em relação ás imagens. Jung afirma: “Para conseguir a liberação da tirania dos condicionamentos do inconsciente duas coisas são necessárias: desincumbirmo-nos de nossas responsabilidades intelectuais e também de nossas responsabilidades éticas.”. Jung afirma também a importância da família e de seu trabalho, levar uma vida ordenada como contrapeso á singularidade do seu mundo interior.
Jung relata que quando olha para trás e reflete sobre o sentido de tudo que ocorreu na época em que consagrava suas fantasias, ele tem a impressão de ter sido subjugado por uma mensagem poderosa. Para ele, havia nessas imagens elementos que não diziam respeito somente a ele, mas também a muitas outras pessoas. Sentia-se então intrigado a realizar a primeira experiência tentando colocar no terreno da realidade aquilo que ia descobrindo.
É muito interessante e instigante perceber que toda a sua trajetória de vida posteriormente se transformou em suas teorias também. Esse capítulo sem dúvidas é um dos capítulos mais importantes do livro e é dele que emergem vários conceitos importantes para a Psicologia Analítica.  O que mais me chama a atenção é perceber que vários acontecimentos são comuns a minha vida, e acredito que seja isso o que mais me move a estudar a Psicologia Analítica, porque de certo modo, também possuo a vivência desses conteúdos. 

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